A frase ‘só mais uma chance’ resume a armadilha emocional em que caem muitos jogadores compulsivos. O vício em apostas, impulsionado pela busca incessante de recuperar perdas, já se tornou uma crise no Brasil, pois com a regulamentação recente, as apostas online explodiram, e especialistas já alertam para um quadro que beira uma epidemia.
Chasing losses: o impulso que afunda
Nesse cenário caótico, temos o “chasing losses”, que é um termo usado para descrever as tentativas desesperadas de reverter prejuízos, transformando apostas em corrida contra o tempo.
“Após perdas consecutivas, o jogador aumenta os valores, em busca de uma suposta ‘grande vitória’. Mas essa vitória raramente aparece, e o comportamento intensifica a compulsão”.
Isadora Saldanha, psicóloga do Instituto Bet Responsável
De acordo com Isadora, esse padrão é reforçado por um ciclo neuroquímico no cérebro: cada nova aposta libera dopamina, o que gera sensação de prazer e expectativa. E mesmo quando a perda é certa, o sistema de recompensa continua ativo, incentivando o comportamento a se repetir. Por isso, o jogador volta ao jogo não por diversão, mas por impulso.
Impulsividade, ilusão de controle e armadilhas psicológicas
A dinâmica instantânea das plataformas online reforça a impulsividade, levando a decisões precipitadas, sem reflexão. A ilusão de controle, ou seja, a falsa percepção de que o jogador tem domínio sobre o resultado, é outro fator que perpetua o vício em apostas. Mesmo em jogos puramente aleatórios, como roleta, slots ou raspadinhas, o indivíduo acredita que pode prever padrões ou usar “táticas pessoais” para vencer.
Essa combinação de impulsividade, ilusão e esperança leva a um comportamento de risco elevado. A cada rodada, a mente do jogador acredita que está “quase ganhando” ou “na beira da virada”, ignorando os prejuízos acumulados.
Ciclos de recaída e perda de controle
O vício em apostas raramente segue uma trajetória linear. Muitos jogadores tentam parar após episódios de perda ou após promessas feitas a si mesmos ou a familiares. Mas as recaídas são frequentes, principalmente quando não há suporte psicológico, acompanhamento terapêutico ou bloqueios técnicos nas plataformas.
Com isso, o ciclo se repete: aposta > perda > frustração > nova aposta. A vergonha, o medo de julgamento e o isolamento social impedem que muitos busquem ajuda. Há relatos de jogadores que usaram salários inteiros em um único dia, esconderam extratos bancários e até cometeram atos ilegais para sustentar o vício.
Impactos socioeconômicos e riscos à vida
E a verdade é que o vício em apostas não afeta apenas o indivíduo, mas também a economia, as famílias e os ambientes de trabalho. Há casos de demissões por uso de tempo e recursos da empresa para apostar, de divórcios causados por dívidas ocultas e de jovens endividados antes mesmo de entrarem no mercado formal.
Estudos recentes apontam que os gastos mensais com apostas por brasileiros ultrapassam bilhões de reais. Com a normalização da prática, amplamente promovida por influenciadores e publicidade, o acesso tornou-se mais fácil e o risco, maior.
Como interromper o ciclo: intervenções eficazes
Diante de toda a publicidade por parte das bets e o crescente acesso da população aos jogos online, interromper o ciclo do vício em apostas exige mais do que força de vontade. É preciso medidas cautelares e apoio profissional para lidar com isso.
- Terapia cognitivo-comportamental, que ajuda a identificar os gatilhos emocionais e a ressignificar pensamentos distorcidos.
- Bloqueios de plataformas, com ferramentas como autoexclusão, limites de tempo e de valor.
- Participação em grupos de apoio, como Jogadores Anônimos.
- Apoio familiar estruturado, com escuta ativa e ausência de julgamento.
- Campanhas públicas, que desnormalizem a prática do jogo excessivo e orientem sobre os riscos reais.
O papel da sociedade
Falar abertamente sobre o vício em apostas é uma forma de reduzir tabus e incentivar a busca por ajuda. É necessário enxergar a ludopatia como um transtorno psicológico que exige tratamento, e não como fraqueza moral. Ações regulatórias mais firmes sobre propaganda, restrição de horários e mensagens de alerta nas plataformas também podem salvar vidas.
De encontro a isso, a frase “só mais uma chance” precisa ser ressignificada, não como um convite para insistir na aposta, mas como um apelo real por ajuda. Reconhecer o vício em apostas como um problema de saúde pública é o caminho para interromper ciclos de sofrimento e oferecer esperança a quem está preso nessa espiral. Quanto mais cedo se buscar apoio, maiores são as chances de recuperação duradoura e de reconquista da autonomia emocional e financeira.
Vício em apostas: FAQ
Como se livrar do vício em apostas?
Para se livrar do vício em apostas, é fundamental reconhecer que se trata de um transtorno que pode ser tratado. O primeiro passo é buscar ajuda profissional, principalmente com psicólogos ou psiquiatras especializados em comportamento compulsivo. A Terapia Cognitivo-Comportamental tem se mostrado muito eficaz. Grupos de apoio como Jogadores Anônimos também oferecem suporte emocional. Além disso, é importante ativar ferramentas de autoexclusão nas plataformas de apostas e contar com o apoio de familiares ou amigos de confiança.
Quais são os sinais de vício em apostas?
Os principais sinais de vício em apostas incluem: dificuldade de parar mesmo diante de perdas, isolamento social, mentiras para encobrir apostas, ansiedade, uso de dinheiro destinado a outras contas, tentativa constante de recuperar prejuízos (chasing losses), e impacto nas relações familiares e no trabalho. A pessoa também pode apresentar alterações de humor, distúrbios do sono e dívidas crescentes.
O que o vício em apostas pode causar?
O vício em apostas pode causar danos severos à vida pessoal, financeira, emocional e profissional do indivíduo. Entre as consequências estão: endividamento, depressão, crise familiar, perda de emprego, isolamento social e, em casos extremos, suicídio. Além disso, o comportamento compulsivo tende a gerar culpa, vergonha e dificuldades de relacionamento com o meio social.
Como se chama um viciado em apostas?
O termo clínico utilizado para os viciados em apostas é jogador patológico ou jogador compulsivo, e o transtorno é conhecido como ludopatia. Trata-se de uma condição reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno de comportamento relacionado ao controle de impulsos, semelhante à dependência química. A pessoa afetada sente uma necessidade contínua de apostar, mesmo sabendo dos prejuízos.